O Dia Internacional da Mulher, que simboliza a luta feminista pela igualdade, justiça e respeito, foi o marco de inspiração para a primeira Mostra de Cinema Argentino de Mujeres.
Consciente da imensa desigualdade no mercado audiovisual, em que a maioria dos filmes em circulação são realizados e protagonizados por homens, a Mostra de Cinema Argentino de Mujeres — MCAM privilegia o olhar feminino em filmes de diretoras argentinas, com protagonistas mulheres e histórias que abordam temas que fazem parte do universo feminino. Sabemos que construir uma sociedade com equidade de gênero é um trabalho diário, no qual a comunicação é a premissa básica para que tais mudanças aconteçam, e, por sua vez, o cinema tem um enorme potencial de transformação. Atravessada por estas indagações e tendo por objetivo fomentar o intercâmbio cultural entre Argentina (sua pátria natal) e Brasil (sua pátria adotiva), Luisina López Ferrari, residente em Belo Horizonte desde 2011, realizadora audiovisual, criou em 2019 a MCAM.
A 3ª MCAM é realizada com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte com patrocínio do Centro Universitário Una, com idealização correalização e produção da Sem Fronteiras Cultura Audiovisual, correalização da Fundação Clóvis Salgado, produção Onodera Produções, apoio institucional do Consulado da República Argentina em Belo Horizonte, apoio cultural do Programa Gafas Violetas (INCAA) , apoio da La Guapa e do Hotel Royal Design.
Nesta edição, estamos compensando as emissões de CO2 geradas pelo projeto, apoiando a Agricultura Regenerativa. Alcançamos o Selo de Evento Neutro concedido pela Eccaplan, reforçando nosso compromisso com práticas ambientais responsáveis e com a promoção de um futuro mais sustentável.
A Mostra contará com exibições gratuitas na sala do Cine Humberto Mauro, Palácio das Artes, nos dias 29, 30 e 31 de maio, em homenagem à Revolução Argentina e ao Dia Internacional das Mulheres pela Paz e pelo Desarmamento.
A programação inclui a exibição de sete filmes: um curta e seis longas-metragens, sendo um deles estreia nacional e outro com acessibilidade para o público com deficiência visual e auditiva. Contamos com a presença da cineasta argentina Maria Laura Vasquez, e duas palestras ministradas por profissionais brasileiras, a Doula da Morte e Produtora Audiovisual Denise Flores e a Profª. Dra. Roberta Veiga. As palestras e debates terão tradução consecutiva espanhol-português e intérprete de libras. No final de cada dia faremos rodas de conversa e debates com o público presente.
O recorte curatorial desta edição é, justamente, para enaltecer as datas simbólicas homenageadas: “É simplista demais dizer que os homens fazem a guerra e que as mulheres recolhem os pedaços depois e fazem a paz?” ¹
Assim, veremos na tela mulheres que foram para a guerra, outras que estiveram no campo de batalha para reconhecer o corpo de seus filhos, irmãos, pais, companheiros… Mulheres em luto e na luta pelos seus direitos básicos, mulheres que cuidam, que acolhem e criam redes. Mães sem filhos, mães meninas, mães invisíveis. Mulheres solidárias, compassivas e, portanto, pacíficas. Para elas, há poucas esperanças de medalhas, menções e reconhecimento, mas apesar de tudo elas existem e resistem, como também as mulheres ancestrais que permanecem presentes, e nos trazem riqueza unicamente pela sua existência. “Quando uma pessoa vive de verdade, todas as outras também vivem”.²
Na atual edição da MCAM, nota-se uma predominância de documentários sobre filmes de ficção na seleção curatorial. Essa escolha pode ser atribuída à natureza íntima e pessoal dos temas abordados — guerra, luta, resistência, fé e esperança – que se alinham com produções mais enxutas e acessíveis às realizadoras. Isso acontece também no Brasil onde roteiristas e diretoras mulheres estão mais presentes no documentário do que na ficção, segundo estudo da ANCINE.³
Nesta edição da MCAM, pela primeira vez, o catálogo está disponível gratuitamente tanto em formato impresso quanto online. Isso reflete o nosso desejo de expandir a análise do cinema argentino, de autoria feminina, para além das fronteiras tradicionais da sala de exibição.
Hélène Cixous⁴ enfatiza a importância das mulheres escreverem sobre si mesmas e encorajarem outras mulheres a se aproximarem da escrita — uma forma de expressão da qual foram historicamente excluídas com tanta força quanto de seus próprios corpos.
Inspirada por essa visão, a MCAM fez um convite especial a mulheres — incluindo pesquisadoras, professoras e críticas de cinema — para que contribuíssem com análises sobre os filmes selecionados para o evento.
É fundamental ampliar a representatividade feminina no campo audiovisual, especialmente em posições de liderança e na construção de narrativas. Isso é particularmente importante para aquelas que foram omitidas pela História, sobretudo em países como Brasil e Argentina que passaram por regimes autoritários no período da ditadura.
Eliane Potiguara, professora, e primeira mulher indígena a publicar um livro no Brasil, afirma que a mulher que ouve a sua intuição, que percebe os seus sonhos, que ouve a voz interior das velhas, das mulheres guerreiras de sua ancestralidade e que possui o olhar suspeito dos desconfiados, essa sim, é uma ameaça ao predador natural da história e da cultura.
As mulheres no cinema e na literatura têm um papel fundamental na conquista da equidade de gênero para mudar as realidades das mulheres invisíveis num mundo projetado para homens, como colocado por Caroline Criado Perez.⁵
“…Eu não tenho minha aldeia
Mas tenho essa casa iluminada
Deixada como herança
Pelas mulheres guerreiras
Verdadeiras mulheres indígenas
Sem medo e que não calam sua voz.
Eu não tenho minha aldeia
Mas tenho o fogo interno
Da ancestralidade que queima
Que não deixa mentir
Que mostra o caminho
Porque a força interior
É mais forte que a fortaleza dos preconceitos.” ⁶
Para finalizar vale lembrar a citação da Taty Almeida, de las Madres de Plaza de Mayo Línea Fundadora, “A única batalha que realmente se perde é aquela que é abandonada.”
Convidamos você para mais uma edição desta MCAM, ¡vamos juntas!
Curadoria
Carla Onodera | Luisina López Ferrari
1 La otra guerra – Una historia del cementerio argentino en las islas Malvinas, de Leila Guerriero. Palavras do War de Geoffrey Cardozo, o ex-coronel do exército britânico que ajudou a identificar os restos dos soldados argentinos no Cemitério Darwin.
2 ESTÉS, Clarissa Pinkola. A ciranda das mulheres sábias. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
3 ANCINE: Participação feminina na produção audiovisual brasileira (2018). Disponível em: <https://www.gov.br/ancine/pt-br/oca/publicacoes/arquivos.pdf/participacao_feminina_na_producao_audiovisual_brasileira_2018_0.pdf >. Acesso em 19 de abril de 2024.
4 CIXOUS, Hélène. O Riso da Medusa. Rio de Janeiro Bazar do Tempo, 2022.
5 PEREZ, Caroline Criado. Mulheres invisíveis: o viés dos dados em um mundo projetado para homens. 1ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2022.
6 POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara. 3ª ed. Rio de Janeiro: Grumin Edições, 2019.