Escrever estas palavras hoje, em pleno cenário pandêmico e no contexto de uma mostra de cinema argentino feito por mulheres, me faz crer que o jogo entre impossibilidade e possibilidade (sobre o qual me dediquei em um estudo mais extenso, quando pensei cinematernidades) ainda funciona como um recurso para
acalmar meus impulsos mais ferozes. Existir aqui e agora, quando encontros são impossíveis, exige que eu me agarre ao que resta de possível – algo próximo a um estar junto, ensaiado pela iniciativa da CineMujeres 2021.

Não é novidade, pelo menos na academia, a noção de “ver juntos”. Apoiada em reflexões que me formaram enquanto pesquisadora de cinema e sem a pretensão
de inaugurar uma outra visada, proponho, aqui, que nos animemos em torno de um “ver juntas”, ainda que fisicamente apartadas.

Faço essa reivindicação alicerçada em duas memórias, uma mais distante e histórica, e outra mais próxima e pessoal. Brevemente, quero lembrar as iniciativas das mulheres dos primeiros feminismos (destaco, aqui, os anos 1960, 70 e 80), para as quais o convívio, a fala e o existir em comum impulsionou o reconhecimento e a elaboração de sua condição compartilhada no mundo. E, ainda, retomo uma vivência singular, de apenas dois anos atrás: a primeira edição da Mostra de Cinema Argentino de Mujeres e, especialmente, o dia da exibição de Julia e a Raposa (2018), de Inés María Barrionuevo, no qual os elos entre feminismo e cinema, potencializados pelo diálogo e pela experiência de assistência conjunta, pareciam mais harmônicos do que nunca.

Abraço essas memórias como minhas, num ímpeto de buscar no passado um entusiasmo para o presente.

Roberta Veiga (à esquerda) diretora convidada Inés María Barrionuevo (no meio) e tradução consecutiva da curadora Luisina Lopez Ferrari (à direita)
Segundo dia da 1° Edição da Mostra (2019), debate sobre Maternidade mediação de Roberta Veiga (à esquerda) diretora convidada Inés María Barrionuevo (no meio) e tradução consecutiva da curadora Luisina Lopez Ferrari (à direita).

Nessa linha, penso ainda no (quase recente) ontem, quando a conquista da legalização do aborto pelas companheiras argentinas (¡és ley!) se fez realidade. E no hoje, tempo no qual uma nova edição da mostra se faz (e se reinventa), ainda que necropolíticas insistam em querer minar a arte, os afetos e as possibilidades de ver/estar/elaborar juntas. Mesmo mediadas pelo online, a exibição e a discussão em torno dos filmes se faz possível (e política), nos unindo e movimentando de alguma forma.
Distantes, ainda estamos aqui.

Nessa teia de (im)possibilidades, um grito ainda se faz ouvir:
Viva o cinema de mulheres!

Seguimos.

Marina Fonseca Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGCOM-UFMG), pela linha Pragmáticas da Imagem. Sob orientação da Profa. Dra. Roberta Veiga, pesquisou a aparição de corpos femininos no cinema, a partir das figurações e deslocamentos da maternidade. Integra ativamente o grupo de pesquisa “Poéticas Femininas e Políticas Feministas: a mulher está no cinema”. É graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais – nesse período, construiu um percurso acadêmico voltado para o audiovisual, tendo também desenvolvido pesquisa em torno da figuração do feminino no cinema de Lars von Trier.